Quando todo mundo acha a que o Natal da Amazon passaria em branco, ou melhor, sem Kindles no Brasil, a gigante de Seattle tirou um coelho do gorro do Papai Noel aos 43 minutos do segundo tempo. Aliás, um coelho não, mas dois, pois o Kindle começou a ser vendido ontem na loja online do Ponto Frio e estará a partir de amanhã, 20/12, nas prateleiras físicas das sete lojas da Livraria da Vila. E a pergunta que não quer calar é: Faz sentido a Livraria da Vila a Ponto Frio comercializarem o e-reader da Amazon?
A ideia não é nova. Em maio deste ano, a Amazon fechou um acordo semelhante na Inglaterra com a Waterstones, maior rede de livrarias do país de Shakespeare. E ninguém entendeu nada por lá. Por que o maior livreiro do Reino Unido ajudaria seu maior concorrente iminente? A verdade é que não houve alma que conseguiu responder esta pergunta satisfatoriamente. No caso da Waterstones, o acordo prevê não apenas um lucro comercial na venda dos aparelhos, mas também um participação nas vendas de conteúdo digital da Amazon desde que feitas no wifi das livrarias da rede inglesa. Ainda assim, ninguém entendeu. O caso tem dado margem para teorias da conspiração interessantes. Uma delas é que a Amazon teria um acordo com o proprietário da Waterstones, o bilionário russo Alexander Mamut, para que o mesmo fosse um sócio ou parceiro da Amazon em sua futura entrada na Rússia. Como disse, é uma teoria da conspiração, que ouvi de jornalistas ingleses, mas, honestamente, é a única coisa que ouvi a respeito deste acordo que parece fazer algum sentido.
Mas e a Livraria da Vila? Não se divulgou muita coisa a respeito de seu negócio com a Amazon, mas parece ser improvável que o acordo envolva participação nas vendas de conteúdo digital, como no caso da Waterstones. E mesmo que envolvesse, não teria como ser algo relevante. Paradoxalmente, dos grupos livreiros brasileiros, a Livraria da Vila é o que possui a menor presença virtual e o e-commerce menos desenvolvido. Em seu site, não há sistema de busca no catálogo e apenas 24 produtos são passíveis de compra. O Kindle, por enquanto, não é um deles. A atualização também deixa a desejar: ao se clicar na área sobre a Livraria da Vila, acessa-se um texto de 2010. Portanto, é um paradoxo que a menos digital das livrarias brasileiras seja onde Kindle será vendido. No entanto, talvez a lógica do acordo com a Amazon esteja neste paradoxo. A verdade é que a Livraria da Vila perdeu a corrida das vendas online. Imaginar que a loja ainda lance um e-commerce fantástico, capaz de superar Saraiva, Cultura, Submarino e outros me parece um tanto fantasioso. A charmosa rede de livrarias parece fadada ao mundo analógico, e este pode ser um modelo de negócios. Assim como a Taschen continuará publicando seus livros por muitos anos, haverá livrarias vendendo tais obras e outros livros de papel que não desaparecerão tão cedo. A aposta da Livraria da Livraria, portanto, talvez esteja em se manter como uma livraria butique, de livros físicos de qualidade. E charme e elegância ela tem de sobra para isso.
Portanto, pensando desta forma, e praticamente desistindo da corrida digital, o que a Livraria da Livraria teria a perder vendendo Kindles? Se ela já está fora do jogo virtual, isto não deve afetar muito seu destino. Se o futuro não tiver espaço para livrarias físicas butiques como a da Vila, ela já está fora do mercado de qualquer jeito, com ou sem Amazon. E se o futuro tiver este espaço, a Amazon pode até ajudá-la quebrando livrarias físicas concorrentes, mas com outra proposta. Nesta situação, por que não vender Kindles, mostrar uma cara moderna além de charmosa, conquistar novos clientes e ainda embolsar uma grana? Consigo ver bastante sentido nisto. E a Amazon, claro, está rindo à toa, pois conseguiu um caminho para chegar aos grandes leitores, que são, via de regra, assíduos frequentadores de livrarias como a da Vila.
Já a Ponto Frio, eu não vejo nenhuma lógica. Mais uma vez, a ideia de se vender Kindles em grandes varejistas físicos não é nova. Nos EUA, o aparelho esteve à venda em redes como a Wal-Mart e a Target, mas ambas as redes desistiram de oferecer o aparelho quando se deram conta de que estavam ajudando um concorrente em potencial, especialmente com a venda do modelo Fire do Kindle. Explica-se: este modelo é um verdadeiro tablet, e como tal permite ótima navegação na internet e compras na loja da Amazon. Ou seja, se tornou um verdadeiro cavalo de Tróia amazônico dentro dos varejistas concorrentes.
É bem verdade que o modelo Kindle à venda na Ponto Frio está longe disso. Além disso, neste momento, vendendo apenas e-books, a Amazon ainda não compete com o varejo físico brasileiro. Mas apesar de a empresa de Jeff Bezos se gabar de nunca revelar planos futuros, não é novidade para ninguém que eles vão trazer a loja inteira para cá. Os candidatos a vagas de Coordenador de Transportes e Gerente de Imóveis que a Amazon tem oferecido que o digam. Ou seja, a Ponto Frio parece estar apenas ajudando quem será seu maior concorrente em alguns meses. E se a Amazon conseguir trazer sua mentalidade centrada no cliente e de ótimo atendimento – e entrega! – para o Brasil, a Ponto Frio vai ter de melhorar bastante para manter seus clientes. Por isso, ao vender Kindles, a Ponto Frio parece ter entrado em uma fria.
Atualização I
Vale lembrar que a relação entre Amazon e Livraria da Vila é completamente diferente daquela entre Kobo e Livraria Cultura. O primeiro caso, pelo menos por enquanto, é apenas uma relação comercial. Já o modelo de negócios da Kobo, aplicado não só no Brasil com a Cultura, mas também em outros países, é uma verdadeira parceira da empresa nipo-canadense com uma rede de livrarias local. No caso da Kobo com a Cultura, há acordos de exclusividade e de cooperação mútua nos mais diversos sentidos.
Atualização II
Kindles já estão à venda na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, em São Paulo, desde as 9h da manhã de 19/12, como mostra a foto abaixo. Por segurança, a empresa havia divulgado a data de 20/12 para começar a vender o aparelho, mas conseguiu realizar as primeiras vendas do mesmo um dia antes.
Apesar de parecer meio burrice, eu vejo algum sentido no Ponto Frio vendendo Kindles.
O primeiro ponto é que a Amazon ainda não está pronta para vender mercadorias físicas por aqui - imaginava que pelo menos os Kindles conseguiriam, mas acho que os acertos de logística estão beeem atrasados.
Precisavam vender em algum lugar pro Natal e acharam o Ponto Frio. Eu imaginava a Fast Shop como uma candidata mais provável, pelo mix de produtos, mas o Pão de Açucar tem investido bastante pra posicionar o Ponto Frio como uma marca mais antenada, aí faz bem sentido ter exclusividade na venda online do Kindle e, de quebra, um link com o pinguim na página da futura concorrente.
Posted by: Felipe Cepriano | 19/12/2012 at 10:19
Olha, pode até ser que não faça tanto sentido - ainda - para o consumidor brasileiro. Sou jornalista e faço mestrado em editoração na Inglaterra, e, sobre a Waterstones, o que ouvi do gerente de uma das lojas aqui em Londres é que é mais uma estratégia para conquistar a entrada de clientes na loja física. Se não podemos combater o inimigo, por que não nos aliarmos a ele e, de quebra, manter nossos clientes satisfeitos? Entendo que a entrada do Brasil no mundo do livro digital seja vagarosa, e uma das possibilidades é começar com amantes de livros, que queiram o conforto de carregar o Kindle na bolsa e estejam dispostos a pagar o preço que ele vale. Quanto ao Ponto Frio, alguém precisava começar, certo? Certamente em alguns anos compraremos um Kindle no supermercado, como já compramos DVD players e celulares.
Posted by: Bonie Santos | 19/12/2012 at 10:43
Acho que a Amazon não entrará com tudo na venda de bens físicos no Brasil, pelo menos no curto e médio prazo. Os desafios são muito grandes para conseguirem um nível de serviço parecido com o praticado nos EUA.
Por isso acredito que o foco deles seja mesmo a venda dos livros digitais. Dito isso, acho que faz mais sentido o Ponto Frio vender o Kindle do que a Livraria da Vila.
Ok, você pode achar que o livro impresso e o eletrônico convirão juntos, mas isso significa que eles estarão competindo pelos mesmos leitores. A bolo mal crescerá e as livrarias(de tijolos ou eletronicas) terão que brigar pela sua fatia.
Assim, acho que a livraria da vila está sim armando o seu adversário.
Posted by: Marcelo | 19/12/2012 at 15:11
Acho que a tal compra da Saraiva pela Amazon vai acabar virando a compra da PontoFrio.com. Se analisarmos a questão com cuidado, faz sim bastante sentido. Diferente da Saraiva, a Nova PontoCom capitaneada por German Quiroga já administra o e-commerce de maneira apartada das lojas físicas do conglomerado, com uma boa infra-estrutura de logística consolidada. Convenhamos, a Amazon não tem o menor interesse em lojas físicas. Façam suas apostas, minhas fichas estão na mesa.
Posted by: Simeijr | 19/12/2012 at 15:33
Incompreesível que Livraria da Vila venda um produto e o promova afirmando que você pode carregar seus PDFs para leitura. PDF em eReader é a pior experiência que se pode ter. Tente ler um jornal com uma lupa!!!
Quanto ao submarino, estranha-me não se incomodar em fomentar a entrada, no Brasil, de seu maior rival. A não ser que esteja em seu roadmap virar a Amazon!! Uau!!!
Posted by: Joaquim Garcia | 19/12/2012 at 17:41