[Artigo publicado originalmente na revista Observatório Itaú Cultural, ed. 17, agosto/2014]
O mercado editorial brasileiro terminou 2013 com cerca de 2,5% do total de livros vendidos em formato digital. No caso, essa estatística refere-se aos livros de interesse geral, ou seja, os livros comuns que encontramos nas livrarias, sem considerar títulos didáticos, técnicos, infantis e universitários. Em números absolutos, foram vendidos 2,5 milhões de e-books no Brasil em 2013. Para muitos, ainda se trata de números baixos, mas não são. Se considerarmos que as grandes lojas internacionais de livros digitais – Amazon, Apple, Google e Kobo – chegaram ao Brasil apenas no segundo semestre de 2012, então 2013 foi o primeiro ano digital no Brasil.
Nesse caso, comparando com os EUA, onde a brincadeira começou de verdade com o lançamento do Kindle pela Amazon em outubro de 2007, o cenário brasileiro é bastante promissor. Nos EUA, segundo a Associação de Editoras Americanas (Association of American Publishers), os livros digitais responderam por 1,19% das vendas de livros de interesse geral em 2008, no ano subsequente à entrada da Amazon nesse mercado, e a 3,31% no ano seguinte. Ou seja, 2,5% no primeiro ano está longe de ser um número baixo – o mercado brasileiro realmente entrou na era digital.
É mais do que provável que convivamos anos ou décadas com os dois formatos. Sem dúvida, o crescimento exponencial nos mercados anglófonos levou muitos a, inocentemente, preverem o cataclisma dos livros de papel. No entanto, agora, sete anos depois, o crescimento perde força e parece se estagnar antes de alcançar 40% de participação em tais mercados. Ainda assim, não podemos ignorar a força e a presença do livro digital. Afinal um formato responsável por mais 30% do faturamento das editoras possui um grande efeito de ruptura.
De qualquer forma, os amantes dos livros – que não correspondem necessariamente aos amantes da leitura – podem ficar tranquilos: o livro em papel perdurará por muitos anos. Já os amantes da leitura que não amam necessariamente os livros e, portanto, são leitores digitais em potencial, agora ficarão felizes, com suas malas mais leves e por lerem na cama de noite sem que o parceiro reclame da luz acesa.
De fato, a discussão entre o que é melhor, se o livro digital ou o livro físico, nem é tão importante assim. Afinal a grande revolução que o e-book traz está não na forma de leitura, mas no acesso. De certa maneira, ela é parecida com a invenção da imprensa, que revolucionou a indústria editorial e a literatura, democratizando o acesso aos textos. O advento do livro digital tem um efeito semelhante: seu grande trunfo é a ampliação do acesso à leitura. E tal acesso se amplia em três frentes.
Em primeiro lugar, o livro digital traz o acesso geográfico. Se antes era necessário se locomover até uma livraria ou biblioteca para obter um livro, agora é o livro que vai tranquilamente até o tablet, computador ou e-reader do leitor. E se antes o livro muitas vezes não era encontrado na livraria ou estava emprestado na biblioteca, e o leitor era obrigado a esperar dias ou semanas para por as mãos em seu livro, agora ele é baixado em poucos segundos e a leitura pode começar imediatamente. Em um país continental como o Brasil, com poucas livrarias e com bibliotecas em decomposição, esse acesso geográfico que o livro digital permite é uma verdadeira inclusão de novos leitores.
O segundo tipo de acesso que o livro digital traz é econômico. Embora os editores sempre lembrem, com razão, que os custos do livro incluem muito mais que papel e tinta, a verdade é que a impressão, a logística e o transporte abocanham uma enorme fatia do faturamento dos editores. Com o livro digital, tais custos desaparecem ou diminuem muito.
Em um estudo que publiquei no blog Tipos Digitais, mostro que o livro digital tem condições de custar até 50% mais barato que o físico e, em geral, nas e-book stores brasileiras, as edições digitais já apresentam grandes descontos em relação às edições impressas. Claro que o custo do aparelho de leitura tem de ser considerado na equação. No entanto, o preço de tais aparelhos tende a cair cada vez, especialmente se for aprovada a tão necessária alteração na Lei do Livro, que equipararia os aparelhos exclusivos para leitura ao livro físico, desonerando-os de impostos.
Além disso, a população brasileira tem cada vez mais acesso a computadores, smartphones e tablets, e as vendas destes dois últimos tipos de produto tem crescido rapidamente no país. Portanto, aparelhos de leitura, ainda que não sejam aqueles exclusivos para essa atividade, já fazem parte do cotidiano brasileiro e seus custos não anulariam o acesso econômico que o livro digital traz. E é desnecessário mencionar os ganhos sociais, educacionais e de desenvolvimento que livros mais baratos podem trazer ao Brasil.
O terceiro tipo de acesso é pouco lembrado, mas igualmente relevante. Trata-se do acesso para deficientes visuais. Livros digitais permitem a leitura em áudio por um computador. Os primeiros modelos Kindle, da Amazon, traziam esse recurso em inglês e, apesar de umas falhas de inflexão aqui ou ali, apresentavam uma leitura oral de ótima qualidade. Seria interessante ver essa tecnologia se desenvolver e se democratizar mais.
Tão importante quanto isso é o fato de que qualquer leitor digital ou aplicativo de leitura para celular e tablet permitem o aumento do tamanho da letra, para a felicidade de pessoas com alguma dificuldade visual. O livro digital traz acesso à leitura, portanto, não apenas para pessoas legalmente cegas, mas também para aquelas com dificuldades menores, causadas por deficiências comuns, como miopia, astigmatismo e até a “vista cansada”. Sabe aquela história de que ler cansa? Pois é, agora não cansa mais, graças ao livro digital.
O ano de 2015 deve ser o ano em que os livros digitais se estabelecerão de vez no Brasil. A indústria deve terminar o ano com 6 a 8% dos livros de interesse geral vendidos no país em formato digital. E, com isso, o acesso geográfico, econômico e de deficientes visuais a todos os tipos de literatura só tendem a aumentar.
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