A Amazon lançou sua loja de livros físicos no Brasil apenas 30 horas antes da inauguração da Bienal do Livro de São Paulo. Era natural, portanto, que as rodinhas de profissionais do livro que proliferam nos estandes da feira nos primeiros dias tivessem apenas um assunto: a Amazon. E dentro deste assunto, uma grande preocupação: os descontos amazônicos.
Havia relatos de descontos de 80% ou mais e a impressão geral que um cidadão leigo teria, fosse ele uma mosquinha a sobrevoar as onipresentes rodinhas editoriais, seria a de que a Amazon estaria praticando preços absurdamente baixos e fora do padrão.
Buscando uma análise mais objetiva, resolvi checar os preços praticados por oito lojas online na noite de sábado, 23/8, entre 20h e meia-noite. Como amostra, escolhi os 20 livros mais vendidos do país segundo a lista do PublishNews da última sexta-feira. O sacrifício de sábado à noite valeu a pena e eu publiquei um resumo da minha pesquisa em um artigo n’O Globo de hoje, intitulado "A Amazon é aliada ou algoz dos editores?". O espaço do jornal, no entanto, é limitado. Por isso resolvi apresentar os resultados de forma mais ampla neste blog.
A grande surpresa é que a Amazon, com um desconto médio de 41,55% nos 20 best-sellers, não foi a loja com os maiores descontos. Aliás ela ficou em terceiro lugar, atrás do Extra com 46,19% e do Ponto Frio com 42,24%. Em quarto lugar, veio a Saraiva com 37,37%, seguida de Livraria da Folha, Fnac, Livraria Cultura e Submarino:
Na planilha abaixo, é possível ver a planilha completa. É só clicar para aumentar:
No domingo (23/8) pela manhã, por volta das 10h, resolvi buscar outros ângulos de análise, me concentrando apenas no site da Amazon. Utilizei como amostra os 20 livros mais vendidos no site da loja e cheguei a um desconto médio de 45,04%. Os descontos variavam de 8,20% a 69,79%, conforme mostra o gráfico abaixo:
Depois, utilizei os 20 livros do topo do ranking de “Popularidade” da Amazon, entre aqueles que estão em oferta. Estes, supostamente, seriam os livros com descontos que mais interesse atraem dos consumidores. O desconto médio, neste caso, ficou em 51,31%.
A conclusão que se chega e que já apontei no artigo d’O Globo é a seguinte: “Como os descontos são maiores para best-sellers e menores para livros de catálogo, conclui-se que os descontos oferecidos pela Amazon não estão fora do padrão do que já era praticado pelo mercado brasileiro. É claro que sua chegada joga lenha na fogueira da guerra de preços, que ganhará ritmo acelerado e maior truculência, mas não se pode acusar a Amazon nem de ter começado a guerra, nem de oferecer os maiores descontos por enquanto.”
Vale lembrar que a Amazon não foi agressiva nas negociações com os editores, tendo aceitado descontos na faixa de 40 a 45% na aquisição dos produtos. Tais condições são inferiores às já praticadas pelas grandes editoras junto às grandes livrarias, as quais envolvem descontos médios sempre superiores a 45% e muitas vezes mais próximos ou iguais a 50%. Editoras médias e menores, por sua vez, chegam a praticar 55% de desconto, sendo este também o nível de desconto normalmente exigido pelos grandes varejistas de qualquer editora.
Percebe-se, portanto, que embora a Amazon esteja praticando margens bastante pequenas, ela não parece estar vendendo abaixo do preço de custo nem praticando dumping de forma generalizada. A loja oferece, de fato, descontos maiores de 60% em alguns casos, mas é possível que ela tenha obtido descontos especiais neste livros.
Outra aspecto curioso desta guerra comercial relaciona-se à diferença de preços entre o livro físico e o digital. Como as grandes editoras brasileiras conseguiram, em sua maioria, limitar por contrato os descontos que a Amazon pode oferecer ao cliente nos livros digitais, estes últimos não tem seus preços radicalmente descontados. Grandes ofertas de e-books só acontecem com o aval e participação da editora. A consequência é uma grande anomalia do mercado, pois em vários casos os livros digitais passam a custa bem mais que os livros físicos.
Entre os 20 livros mais vendidos pela Amazon no domingo de manhã, 10 estavam disponíveis também em formato digital. Cinco destes livros, no entanto, custavam mais barato em papel do que em pixels. O caso mais grave era o livro Água para elefantes, da Sextante, cuja edição física era vendida por R$ 9,90 (66,89% de desconto) enquanto o e-book era comercializado por R$ 18,90 (5,03% de desconto), como é possível ver abaixo:
Por enquanto a Amazon entrou em campo e está jogando de igual para igual com os times que já disputavam o campeonato pelo consumidor brasileiro. O time de Bezos poderá até parar de respeitar as regras e o juiz no futuro, mas está se comportando por enquanto. Também ainda não está metendo de goleada em ninguém – e é isto sim que, de fato, poderá ser o verdadeiro desafio nos próximos anos.
Carrenho,
Belo trabalho que desmitifica, pelo menos no início, que a predação dos preços já vem sendo feita pelos varejistas brasileiros. Vale a pena acompanhar o que virá pela frente!
Apenas você cometeu um pequeno lapso: na penúltima linha, em vez de versão digital, deveria ser versão em papel.
Abraços,
Ailton
Posted by: AILTON B. BRANDAO | 27/08/2014 at 14:33
Obrigado, Ailton! Já arrumei o texto.
Posted by: Carlo Carrenho | 27/08/2014 at 14:59
Fico pensando nesta "fobia" pela atuação da Amazon e vejo que os descontos que ela oferece são iguais ou menores que as das grandes redes. Então, qual é o problema? A mesma situação já aconteceu quando da entrada da Submarino e outras mais. Enquanto houver leitores, a concorrência (não destrutiva) será válida.
Se não me falha a memória, na década de 80, participei de reuniões na CBL (Av. Ipiranga), onde ficou acertado que não haveria descontos e preços abaixo dos praticados. Aparentemente, ninguém se preocupou e nada aconteceu.
Abraços.
Posted by: Maxim Behar | 27/08/2014 at 15:59
Parabéns Caro Carlo, sempre uma visão ampla, analítica e profunda dos fatos: suas causas e consequências. Sempre uma resposta inteligente, clara e desmistificada da verdade. Aliás, que a Verdade continue sempre iluminando sua alma generosa. Abraços! Good job man! Well done indeed!
Posted by: Oswaldo Paião | 27/08/2014 at 16:50